EnglishPortugueseSpanish
EnglishPortugueseSpanish

LANÇAMENTO

Livro discute racismo estrutural na cultura brasileira

Em "Mussum e o Racismo Recreativo", pesquisador desvela como 'os trapalhões' naturalizaram racismo estrutural na cultura brasileira.

A mesma infância que foi povoada pelas gargalhadas fáceis diante das trapalhadas de Didi, Mussum, Dedé e Zacarias é hoje o objeto de uma investigação acadêmica profunda e necessária. O bibliotecário, mestre em Comunicação e especialista em sistemas de informação, Edson Rodrigues Cavalcante, decidiu usar seu rigor metodológico, adquirido na sua formação acadêmica, para desmontar um dos pilares do imaginário humorístico brasileiro: o programa “Os Trapalhões”. O resultado é uma pesquisa corajosa que evoluiu de dissertação de mestrado para livro, expondo a complexa e paradoxal relação entre o humor aparentemente ingênuo e a perpetuação do Racismo Recreativo.

A pesquisa dissertativa, intitulada “Mussum e os processos de subjetivação forjados pelo racismo recreativo”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI), não é um ataque à memória afetiva de milhões de brasileiros. Pelo contrário, é uma análise sofisticada que reconhece o papel unificador do quarteto durante um período crucial de transição política nacional, nas décadas de 1970 e 1980, mas que não se furta a investigar o preço desse humor praticado sob as bençãos da ditadura.

“O riso dos Trapalhões unia o operário e o empresário em uma só plateia, mas esse mesmo riso era costurado por estereótipos racistas que nós, como sociedade, naturalizamos”, analisa o pesquisador, cuja trajetória única combina a expertise técnica em Ciência da Informação – com passagem pela ECA/USP e atuação em publicação científica – com a sensibilidade para decifrar as entrelinhas da cultura.

O personagem Mussum, interpretado pelo genial Antônio Carlos Bernardes, é a chave dessa investigação. Seu “mussunguês”, sua persona de malandro carioca e sua relação descomplexada com a bebida são desmontados pela pesquisa não como meras escolhas cômicas, mas como arquétipos coloniais reciclados. A genialidade do ator, argumenta o autor, estava justamente em conseguir, com seu talento ímpar, subverter parcialmente esses estereótipos, criando uma identificação afetiva que mascara, mas não elimina, sua função opressiva.

Para dar sustentação teórica à sua OBRA, o pesquisador Edson Rodrigues Cavalcante recorre a um arsenal crítico robusto. A obra seminal “Racismo Recreativo”, do jurista Adilson Moreira, fornece a base para entender o humor como um instrumento de manutenção de hierarquias sociais. Já o conceito de Inconsciente Colonial-Capitalístico (ICC), desenvolvido pela psicanalista e curadora Suely Rolnik, é a ferramenta chave para explicar por que rimos do que rimos.

“O ICC é um dispositivo psíquico que herdamos de séculos de colonialismo e escravidão. Ele naturaliza estereótipos e violências, fazendo com que a ridicularização da fala ‘errada’ de Mussum ou de seu amor pela ‘biritis‘ seja recebida não com estranhamento, mas como algo familiar, ‘apenas uma brincadeira'”, explica o autor. Esse mecanismo, segundo a pesquisa, permite uma “cumplicidade afetiva” onde o próprio público negro, paradoxalmente, pode encontrar prazer na caricaturização de si mesmo.

A conclusão do livro é um convite à autorreflexão coletiva. Mais do que cancelar o passado, a proposta é entender seus mecanismos para não os repetir no futuro. “Questionar a origem do nosso riso é um ato de desobediência cognitiva urgente. Só assim poderemos um dia construir um humor que liberte, e não que oprima”, finaliza o pesquisador, cujo trabalho demonstra que a organização crítica do conhecimento é, antes de tudo, uma ferramenta poderosa de transformação social.

Saiba mais sobre a obra

Mussum e o Racismo Recreativo: um estudo de mass media nas décadas de 1970-1980
Autor: Edson Rodrigues Nascimeno
Design da capa: Ana Kelma Cunha Gallas
Editora Lestu (2025)
Acesse flipbook

OUTROS POSTS

A EDITORA

LIVRARIA

PERIÓDICOS

A LESTU

Editora especializada em publicações acadêmicas, a Lestu integra a comunidade de ciência aberta. Nossos livros
acadêmicos são publicados sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY)