
Em artes visuais, o graffiti é uma forma de inscrição caligrafada, mais elaborada que a pichação, ou um desenho pintado sobre suportes urbanos não previstos para essa finalidade, como muros e paredes. Durante muito tempo, foi visto como mera contravenção, expressão marginalizada e até irrelevante. Hoje, no entanto, é reconhecido como arte urbana, inserido no campo das artes visuais, onde o artista interfere na cidade por meio de uma linguagem intencional, crítica e estética.
É nesse cenário que nasce o Projeto Grafi-The, idealizado e executado pela Editora Lestu, em Teresina. Aprovado pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB 2024), política pública que garante recursos contínuos ao setor cultural, o projeto pretende ampliar a presença do graffiti na capital piauiense. O projeto se estrutura em várias frentes: oficinas de grafite em cinco bairros periféricos (Dirceu Arcoverde, Angelim, Mocambinho, Santa Maria da Codipi e Vale Quem Tem); mostra itinerante com os murais produzidos; um livro que documenta a memória do grafite em Teresina; um documentário que acompanha a trajetória de seus protagonistas e um site dedicado que reúne todas as informações e materiais do projeto.

Para Kelma Gallas, coordenadora geral do Projeto Grafi-The, mais que estética, trata-se de cidadania cultural: artistas que se dedicam a essa arte urbana tem a possibilidade de narrar suas histórias, reconhecer sua identidade e ocupar simbolicamente os espaços da cidade. “O Projeto Grafi-The nasceu com o propósito de reconhecer e valorizar o graffiti como uma das mais potentes expressões das artes visuais contemporâneas. Por muito tempo, o graffiti foi reduzido a estigmas e preconceitos, quando, na verdade, sempre esteve profundamente conectado à cultura urbana, à memória coletiva e à construção de novas linguagens estéticas”, explica.
O livro Graffiti em Teresina: Arte e Insurgências
Entre os produtos culturais do projeto, destaca-se a publicação de um livro ilustrado e com uma pesquisa crítica, intitulado “Graffiti em Teresina: Arte e Insurgência“. A obra, que tem a curadoria e pesquisa de Edson Rodrigues Cavalcante e Ana Kelma Cunha Gallas, e design de Kleber Gallas, resgata a trajetória do movimento local, registrando depoimentos de artistas consagrados como Du Alemão, Saná Costa, Nosila, Lu Rebordosa, Maku, Brisa, e também daqueles que são considerados a nova geração dessa arte visual, como Trix e Potiza.
O livro articula rigor acadêmico e narrativa sensível, compondo um mosaico que documenta, mas também celebra, a insurgência criativa das periferias teresinenses. Para Edson Cavalcante, em Teresina, essa arte se espalha pelos muros e pelas ruas, transformando a cidade em uma grande galeria a céu aberto. “No livro ‘Graffiti em Teresina’, buscamos dar visibilidade a esses artistas, suas trajetórias e técnicas, mas também reafirmar que o graffiti é arte, é diálogo com o espaço público, é insurgência criativa que traduz identidades, histórias e resistências”, reflete.
A publicação terá tanto a versão digital, open access, publicada na estante virtual da Editora Lestu (www.lestu.org), como também uma versão impressa, com tiragem de 200 exemplares, totalmente coloridos. Os livros serão distribuídos gratuitamente para os artistas do graffiti e para as bibliotecas das escolas públicas parceiras do projeto. “Queremos que esse livro seja, além de um registro histórico, também uma ferramenta pedagógica e instrumento de valorização da memória cultural”, explica Kelma Gallas.

Autores e artistas do graffiti se reúnem para consolidar o projeto do livro.
Documentário Grafiteiros – Cores e Riscos em Teresina
O projeto também ganha forma no audiovisual. O documentário “Grafiteiros – Cores e Riscos em Teresina” será dirigido por Dalson Carvalho, tendo Lucas Freire como Diretor de Fotografia e Operador de Câmera, com a curadoria de Kelma Gallas e produção de Kleber Gallas.
Mergulhando na trajetória de grafiteiros que transformam a capital em galeria a céu aberto, o filme traz o ponto de vista dos artistas, apresentando seus processos criativos e os desafios de fazer arte no cotidiano urbano da cidade. “Queremos mostrar como o graffiti, muitas vezes estigmatizado, é também instrumento de crítica social e de reivindicação do direito à cidade”, disse Dalson Carvalho.
O documentário será disponibilizado gratuitamente no canal da Editora Lestu, no YouTube, mas terá exibições públicas nos bairros e nas escolas participantes, ampliando o acesso e garantindo que as vozes dos artistas circulem para além das telas e muros.

Equipe do Documentário “Grafiteiros – Cores e Riscos em Teresina“.
Oficinas de graffiti: a cidade como sala de aula
O coração do Grafi-The são as oficinas de graffiti, realizadas em escolas públicas estaduais dos bairros Dirceu Arcoverde, Angelim, Mocambinho, Santa Maria da Codipi e Vale Quem Tem. Cada oficina, com duração de oito horas, atende cerca de 30 jovens, totalizando 150 participantes. O coordenador dessa atividade é Kleber Gallas. Segundo ele, as atividades combinam técnicas de desenho, colorização e muralismo com debates sobre identidade cultural e cidadania.
Esses trabalhos comporão a mostra itinerante, que irá circular pelos bairros e escolas contempladas pelo projeto. “A proposta reforça a ideia de que a cidade é sala de aula e galeria, convidando a comunidade a reconhecer o graffiti como expressão artística e ferramenta de inclusão cultural”, revela.

Os grafiteiros Saná Costa e Du Alemão discutem o planejamento das oficinas de Graffiti nas escolas.